Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 3 de outubro de 2010

Anna Livia Plurabelle: fragmento inicial (tradução por Dirce Amarante)

O
Me conta tudo sobre
Anna Livia! Quero saber tudo
sobre Anna Livia. Bem, conheces Anna Livia? Claro que sim, todo mundo conhece Anna Livia. Me conta tudo. Me conta já. Cais dura se ouvires. Bem, sabres, quando o velho foolgado fallou e fez o que sabes. Sei, sim, anda logo. Lava aí não enroles. Arregaça as mangas e solta a língua. E não me baitas ― ei! ― quando te apaixas. Seja lá o que quer que tenha sido eles teentaram doiscifrar o que ele trestou fazer no parque Fiendish. É um grandessíssimo velhaco. Olha a camisa dele! Olha que suja questá! Ele deixou toda minh’água escura. E estão embebidas, emergidas tolduma ceumana. Quanto tanto já lavei isso? Sei décor os lugares que ele gosta de manchar, suujeito suujo. Esfolando minha mão e esfomeando minha fome pra lavar sua roupa suja em púlpito. Bate bem isso com teu paterdor, lavelhas. Meus pullsos estão emperrujando de tanto esfreegar as nódoas de bolor. E as porções de umildade e as gangegrenas de pecado. O que foi isso que ele fez uma estola e tanto com o Anima Sancta? E quanto tempo ele ficou trancafiado no lago? Tá nos jornais o que ele fez, do nessimento ao sacerdócio, o Rei violentocomo Humphrey, destilando ilisiões, façanhas e tudo mais. Mas a massculinidade ele cultivará. Eu o conheço bem. O tempo selvagem não pára pra ninguém. Naquilo que semenhares, colherás. O, rude raptor! Levianamente acasalando e fazendo rumor.

AMARANTE, Dirce Waltrick do. Para ler Finnegans Wake de James Joyce: seguido de “Anna Livia Plurabelle”. São Paulo. Iluminuras, 2009, p.114-115.

Trata-se da tradução, por Dirce Amarante, do primeiro fragmento do famoso capítulo de Finnegans Wake. Dois detalhes curiosos. Ao introduzir sua tradução para o português, a autora assinala: “Quanto à tradução do capítulo VIII [...] empreendi minha versão do texto, uma versão feminina (todas as outras traduções que consultei e citei neste trabalho foram assinadas por homens) do universo das duas lavadeiras.” (idem, p.111-112). O outro detalhe é o estupendo enunciado: “O tempo selvagem não pára pra ninguém.” No original: “Temp untamed will hist for no man.”

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