Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 9 de novembro de 2010

a pedra bem pode pôr-se a rolar


Cláudio Manuel da Costa

Soneto VIII

Este é o rio, a montanha é esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos,
Esta é a mesma rústica floresta.

Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos e penedos,
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.

Oh! quão lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e as vezes que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!

Tudo me está a memória retratando,
Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.

Fonte: ALCIDES, Sérgio. Estes penhascos: Cláudio Manuel da Costa e as paisagens de Minas. São Paulo: Hucitec, 2003, p.146-147.

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