Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 26 de abril de 2011

a vida é estranha

Sonhei algo bastante estranho, de que sou acordada por um telefonema amigo, sem saber ao certo que dia é hoje e temendo ser dia de ir para o serviço, quarta-feira, o que representaria fatalmente atraso. Não, é terça, terça-feira, mas mesmo assim estou atrasada, o volume de coisas a fazer é muito grande. O sonho é a morte de um homem (quem seria ele?), um assassinato(?), o corpo é escondido debaixo da cama, mas o envolvido alega inocência (meu último post...), tudo é muito confuso na minha tentativa de recompor a sequência narrativa do sonho (e é muito raro que meus sonhos me ofereçam uma sequência, qualquer que seja), desse suposto crime que eu presencio, mas ao mesmo tempo sou um homem, companheiro de morada do outro, o que mata(?) e tenta esconder o corpo. Ele alega inocência e tenta se esquivar daquela morte. Como a morte acontece no sonho eu não consigo me lembrar, se é acidental ou fatal. Só sei que há um quarto, um rapaz que esconde um morto debaixo da cama, e eu, que estou lá e ao mesmo tempo não estou, vivenciando/presenciando aquilo tudo. 

Alguma coisa se move no quarto, sem explicação, e isso é tacitamente entendido como o homem morto tentando se comunicar (com quem?). As coisas principiam a ficar seu tanto sombrias, me afasto com medo, mas ao mesmo tempo continuo lá. O outro, o que escondeu o corpo (então ele tem culpa?) começa a ser investigado, e sai em busca de testemunhas que possam ajudá-lo. Enquanto isso, uma terceira voz começa a falar comigo e desenha-me este homem em novas tintas (e esta é uma das partes mais cristalinas do sonho), e o que parecia ser um rosto inocente vai aos poucos assumindo um contorno diabólico (contorno, agora sei, emprestado do próprio diabo que figura no filme Fausto 5.0), mas no sonho quem me ocorre é Edgar Allan Poe, então descubro o que já intuía pelo medo, que estou sonhando algo sinistro: o rosto inocente, pela ótica desse narrador que me fala, vai aos poucos se desenhando diabólico, caninos proeminentes, um contorno de face a não deixar dúvidas, e era o rosto, agora sei, do diabo do aludido filme. Em seguida estou em outro lugar, conversando com outra pessoa, uma mulher (e agora sou eu mesma), que me pergunta como estão as coisas por lá, e digo que na mesma; mas então, num cômodo contíguo, algo começa a acontecer, é um chão de terra, minha toalha verde está lá (eu a deixei?), e de repente a terra começa a fazer um movimento em torno da toalha, em posição horizontal, no chão, a imitar uma pessoa deitada, a terra envolvendo a toalha como se envolvesse um morto quando ele é enterrado, ao jeito de uma cova simples, dessas dos cemitérios pobres, e então, assustada e surpresa, chamo esta outra pessoa que está comigo para mostrar o que está acontecendo, é o morto tentando se comunicar comigo, dizendo que foi assassinado. Mas é um telefonema amigo que me acorda disso tudo, alguém que está bem vivo e se lembra de mim e se importa comigo e liga para para saber como estou e dizer que está com saudades. E descubro nisso tudo que quem está tentando se comunicar comigo é a minha intuição, e que eu preciso confiar mais nela, e em mim mesma e nas minhas escolhas e decisões. Eu estou do lado da vida: é o que consigo dizer.

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