Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

W. H. Auden: Words

PALAVRAS

Nasce um mundo da frase pronunciada
Onde tudo acontece tal e qual;
Na palavra a palavra está empenhada:
À fala, não ao falante, dá-se o aval.

Clara seja a sintaxe, e mais: que nada
Mude ao tema seu fluxo natural
Nem troque os tempos por amor à toada
Pois há tristes versões de pastoral.

Para que um blábláblá interminável
Se os fatos são nossa melhor ficção?
Antes o verbo facilmente achável

Do que da rima a falsa encantação,
Qual dança de zagais mima o insondável
Cavaleiro a vagar na solidão.

WORDS

A sentence uttered makes a world appear
Where all things happen as it says they do;
We doubt the speaker, not the tongue we hear:
Words have no word for words that are not true.

Syntactically, though, it must be clear;
One cannot change the subject half-way through,
Nor alter tenses to appease the ear:
Arcadian tales are hard-luck stories too.

But should we want to gossip all the time,
Were fact not fiction for us at its best,
Or find a charm in syllables that rhyme,

Were not our fate by verbal chance expressed,
As rustics in a ring-dance pantomime
The Knight at some lone cross-roads of his quest?

W. H. Auden. Poemas. Trad. João Mourão Jr. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p.164-165. 

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