Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 11 de agosto de 2011

W. H. Auden

UM LUGAR SADIO

São gente boa ― ninguém de nós sonharia jamais
Em examinar com lente um contrato deles, ou tampouco
Esconder-lhes, sob chave, nossas cartas ― são
Gentis e eficientes, outrossim ― tem-se o que se pede.
Mas o que está errado então de, vivendo no meio deles,
Surpreender-nos constantemente o número avultado
De casamentos felizes e pessoas infelizes?
Comparecem às palestras sobre Problemas de Pós-Guerra,
Pois importam-se, querem de fato ajudar; no entanto,
Quando atentam para a terra, nos seus matutinos,
Que haverá de entender-lhe, das loucuras, dos horrores,
Quem nunca sentiu, disso estamos convictos, repentino
Desejo de torturar um gato ou tirar a roupa
Em local público? Terão eles jamais, é de pensar-se,
Querido de verdade ver um unicórnio, mesmo que
Já estivesse morto? Provavelmente. Mas não o dirão,
Ignorando, por tácita anuência, a sede nossa
De vida eterna, essa enjaulada questão sob censura
Que ocasionalmente nos escapa em piqueniques ou
Reuniões estudantis, e que as histórias de sala de fumantes,
De modo assaz irônico, são as únicas ainda a veicular.

A HEALTHY SPOT

They're nice ― one would never dream of going over
Any contract of theirs with a magnifying
Glass, or of locking up one's letters ― also
Kind and efficient ― one gets what one asks for.
Just what is wrong, then, that, living among them,
One is constantly struck by the number of
Happy marriages and unhappy people?
They attend all the lectures on Post-War Problems,
For they do mind, they honestly want to help; yet,
As they notice the earth in their morning papers,
What sense do they make of its folly and horror
Who have never, one is convinced, felt a sudden
Desire to torture the cat or do a strip-tease
In a public place? Have they ever, one wonders,
Wanted so much to see a unicorn, even
A dead one? Probably. But they won't say so,
Ignoring by tacit consent our hunger
For eternal life, that caged rebuked question
Occasionally let out at clambakes or
College reunions, and which the smoking-room story
Alone, ironically enough, stands up for.

W. H. Auden. Poemas. Trad. José Paulo Paes. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p.104-105. 

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