Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 13 de agosto de 2011

William Carlos Williams e Juan Gris

Flowers, 1914. Fonte: Juan Gris The Complete Works
Outros detalhes AQUI.


A ROSA

A rosa é obsoleta
mas cada pétala sua finda em
gume, a dúplice face
cimentando as estriadas
colunas de ar ― o gume
corta sem cortar
encontra ― nada ― se renova
a si mesmo em metal ou porcelana ―

aonde? Finda ―

Mas se finda
o início começa
de modo que avir-se com rosas
torna-se uma geometria ―

Mas afiada, nítida, cortante
pintada na faiança ―
o prato quebrado
como uma rosa vítrea

Algures o bom senso
faz rosas de cobre
rosas de aço ―

A rosa tinha peso de amor
mas o amor está no fim ― das rosas
Está no gume da
pétala que amor aguarda

Crespa, cinzelada até frustrar
o desvalor ― frágil
úmida, arrancada, soerguida
fria, precisa, comovente

O que

O lugar entre o gume das
pétalas e o

Do gume das pétalas sai uma linha
que por ser de aço
infinitamente fino, infinitamente
rijo penetra
a Via Láctea
sem contacto ― alçando-se além
dela  ― sem pender
nem impelir ―

A fragilidade da flor
ilesa
penetra o espaço.


THE ROSE

The rose is obsolete 
but each petal ends in 
an edge, the double facet 
cementing the grooved 
columns of air ― The edge 
cuts without cutting 
meets ― nothing― renews 
itself in metal or porcelain ―

whither? It ends ―

But if it ends 
the start is begun 
so that to engage roses 
becomes a geometry ―

Sharper, neater, more cutting 
figured in majolica ― 
the broken plate 
glazed with a rose

Somewhere the sense 
makes copper roses 
steel roses ―

The rose carried weight of love 
but love is at an end ― of roses
It is at the edge of the 
petal that love waits

Crisp, worked to defeat 
laboredness ― fragile 
plucked, moist, half-raised 
cold, precise, touching

What

The place between the petal's 
edge and the

From the petal's edge a line starts 
that being of steel 
infinitely fine, infinitely 
rigid penetrates 
the Milky Way 
without contact ― lifting 
from it ― neither hanging 
nor pushing ―

The fragility of the flower 
unbruised 
penetrates space.

WILLIAMS, William Carlos. Poemas. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p.62-65.

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