Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Dora Ferreira da Silva

PÁGINA AVULSA

Esquece a palavra e mesmo a partitura
ouve a música inesperada desse caminho
em que ela andou e era manhã.
Outros caminhavam a seu lado
riam. Havia sempre uma flor desconhecida
cor e perfume diversos dos ramos de outros dias.
Uma ninfa de azul tudo olhava.
Tu sei una visuale”, alguém dizia.
Ela olhava absorta. Me piace il tuo silenzio
a voz prosseguia. Cantavam águas
passos ecoavam nas pedras que sempre por ali havia.
Isso foi ontem
              hoje é outro dia.
No mesmo caminho ela segue
vendo/ouvindo o fantasioso viver
mais um dia
             mais um dia.

Dora Ferreira da Silva. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p.394-395.

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