Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 30 de abril de 2012

relendo grande sertão: veredas (XVII): "o real roda e põe adiante"

“O Menino me deu a mão: e o que mão a mão diz é o curto; às vezes pode ser o mais adivinhado e conteúdo; isto também. (...) Para que refletir tudo no narrar, por menos e menor? Aquele encontro nosso se deu sem o razoável comum, sobrefalseado, como do que só em jornal e livro é que se lê. Mesmo o que estou contando, depois é que pude reunir relembrado e verdadeiramente entendido ― porque, enquanto coisa assim se ata, a gente sente mais é o que o corpo a próprio é: coração bem batendo. Do que o que: o real roda e põe adiante. ― ‘Essas são as horas da gente. As outras, de todo tempo, são as horas de todos’ ― me explicou o compadre meu Quelemém. Que fosse como sendo o trivial do viver feito uma água, dentro dela se esteja, e que tudo ajuda e amortece ― só rara vez se consegue subir com a cabeça fora dela, feito um milagre: peixinho pediu.”

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 154-155.

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