Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 12 de janeiro de 2014

tufos de linguagem

“Perguntou o que eu pensava daquilo. Não era fácil encontrar as palavras, era tarde, o cansaço pesava, teria preferido ir dormir, olhava as luzes do golfo, soprava uma leve brisa carregada de umidade [...], era custoso continuar, principalmente numa língua estrangeira para ambos. De vez em quando ele fazia uma pausa para procurar a palavra certa e nesses vazios minha atenção se perdia ainda mais, um país sob vigilância, esperava que o entendesse, claro que entendia, entendia perfeitamente, por mais que para entender melhor as coisas seja necessário tê-las tocado com a mão, mas sabia muito bem que naqueles anos o seu era um país sob vigilância, iria além, um país policialesco, melhor dizendo.”

Antonio Tabucchi, “Festival” (O tempo envelhece depressa. Cosac Naify, 2010, p.117, trad. Nilson Moulin).

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