Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 11 de setembro de 2010

Jorge de Lima: Invenção de Orfeu

[Canto X, Missão e Promissão, X]

Não a vaga palavra, corrutela
vã, corrompida folha degradada,
de raiz deformada, abaixo dela,
e de vermes, além, sobre a ramada;

mas, a que é a própria flor arrebatada
pela fúria dos ventos: mas aquela
cujo pólen procura a chama iriada,
― flor de fogo a queimar-se como vela:

mas aquela dos sopros afligida,
mas ardente, mas lava, mas inferno,
mas céu, mas sempre extremos. Esta sim,

esta é que é a flor das flores mais ardida,
esta veio do início para o eterno,
para a árvore da vida que há em mim.

LIMA, Jorge de. Invenção de Orfeu. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d, p. 194. 

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