Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 5 de setembro de 2010

Sérgio Buarque de Holanda: “os novos do Piauí” (1926)

Segue um trecho em que Francisco de Assis Barbosa relata a participação de Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e outros intelectuais ligados à Revista do Brasil, fase Assis Chateaubriand, no episódio dos “novos do Piauí”. Em seguida, o depoimento do próprio Sérgio Buarque, em entrevista concedida em 1975:

“Assis Chateaubriand havia entregue a Rodrigo M. F. de Andrade a direção da Revista do Brasil, que aparece em formato diferente, bem mais flexível. Prudente [de Moraes, neto] é o secretário, Sérgio, colaborador. Gilberto Freyre, PhD pela Universidade de Columbia, EUA, fixa-se em Pernambuco. Para o Livro do Nordeste, que aparece para comemorar o primeiro centenário do Diário de Pernambuco (1825-1925), a pedido de Gilberto Freyre Manuel Bandeira havia escrito a ‘Evocação do Recife’, que marcou o reencontro do grande poeta com sua terra natal. Rodrigo, Sérgio e Prudente logo se irmanaram àquele novo companheiro que a todos fascinava pela autenticidade e ausência de pose. Na Revista do Brasil, começou a publicar crônicas ora com o pseudônimo de Esmeraldino Olímpio, ora com o de J. J. Gomes Sampaio. Um desses artiguetes chegou a despertar a atenção de alguns intelectuais, como Nestor Vítor, que fez questão de conhecer J. J. Gomes Sampaio, que escrevera sobre ‘Os novos do Piauí’, todos ou quase todos mais simbolistas que propriamente modernistas. Acontece que não existiam os ‘novos’ do Piauí, pura invenção lúdica aos que acreditavam demais no Modernismo.”

BARBOSA, Francisco de Assis (Org.). Raízes de Sérgio Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Rocco, 1989, p.21-22. OU: BARBOSA, Francisco de Assis. Verdes anos de Sérgio Buarque de Holanda. In: Sérgio Buarque de Holanda: vida e obra. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura; Universidade de São Paulo, 1988, p.39.


Maria Célia Leonel ― Os colaboradores faziam reuniões para a elaboração da revista [Estética]?

Sérgio Buarque de Holanda ― Não, mesmo porque tenho a impressão de que uma parte dos colaboradores estava em São Paulo, como o Couto de Barros. Ele era um sujeito sério que escrevia contos engraçados, como aquele da mulher que virou infinita, da Klaxon. Tem outro conto, mas não sei onde saiu. Talvez na Revista do Brasil, na segunda fase, que foi feita pelo Rodrigo, pelo Prudente e em que colaborei. Nela saiu um artigo sobre os “novos do Piauí” escrito pelo Gilberto, mas assinado J. J. Gomes Sampaio. Entre outros “novos” piauienses inventados lembro-me de um que se chamava Esmeraldino Olímpio. Esses e outros serviram depois de pseudônimos em artigos onde nós mesmos nos criticávamos e enaltecíamos, por exemplo, o Oswaldo Orico. O Gilberto mandou imprimir um cartão de J. J. Gomes Sampaio, com a indicação: literato. Pensamos então em um piauiense ilustre, e com ele foi posto o nome da rua: Marquês de Paranaguá, número 14. Não podia ser muito alto, ninguém sabia se a rua, caso existisse, era grande. Antônio de Alcântara Machado fez um artigo, se não me engano com o nome de Esmeraldino Olímpio. Gilberto Freyre estava no Rio e se deixou apresentar como sendo J. J. Gomes Sampaio a um crítico do Simbolismo, que o cumprimentou e o chamou de mestre. Creio que o homem desconfiou do negócio. [...]  

LEONEL, Maria Célia. Estética e Modernismo. Revista trimensal. São Paulo: Hucitec, 1984, p. 174. [Trecho de entrevista concedida por Sérgio Buarque à autora do estudo]

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