Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 2 de janeiro de 2011

Humor, arte e liberdade: acerca de uma passagem de Schiller

É essencial não perder o humor, a ser negociado com a força da intempérie. Mas será que o grau da intempérie não pode ser tal que justamente chegue a obliterar qualquer possibilidade humor? Penso que sim, mas não consigo deixar de achar interessante o raciocínio desenvolvido a propósito de Schiller por Rüdiger Safranski, em Romantismo: uma questão alemã (título da tradução brasileira), no contexto de um debate sobre arte e liberdade em que o poeta estaria frisando a necessidade de "criar os fundamentos espirituais sobre os quais se pode futuramente criar o Estado livre" ― algo, de passagem, negado de todas as formas em O banqueiro anarquista, pois o próprio Estado é uma das ficções sociais apontadas pelo narrador de Fernando Pessoa. Caminho na contracorrente, portanto, não sei se olhando em demasia para trás.

"Não se pode primeiro querer destruir o mecanismo do Estado e em seguida querer inventar um novo; tem-se, pelo contrário, de trocar a roda enquanto em movimento. Mas por que essa troca da roda em movimento ― essa revolução na maneira de pensar ― poderia ser gerada exatamente pela arte e pelo trato com ela?” ― pergunta-se Safranski,  afirmando em seguida: “Porque é através da beleza que se chega à liberdade. Pode-se certamente dizer ― e Schiller o faz ― que a bela arte educa e aprimora os sentimentos. Essa seria sua contribuição à civilização. Mas ele não se dá por satisfeito com isso. O mundo estético não é apenas um campo de exercício para o refinamento e enobrecimento dos sentimentos, mas o lugar onde o homem se torna explicitamente aquilo que ele é implicitamente: um homo ludens.” Continua num próximo post.


Referência: SAFRANSKI, Rüdiger. Romantismo: uma questão alemã. Trad. Rita Rios. São Paulo: Estação Liberdade, 2010, p.42-43, destaques do autor.

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