Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

João Cabral de Melo Neto

ANÚNCIO PARA COSMÉTICO

Nada há contra o tempo.
O homem tudo o que pode
é fechar-se ao espaço
redondo que o envolve;
jogar fora o espaço,
o fora, ele sim pode,
assim numa Cartuxa
que do ao redor o isole.
Mas o tempo é de dentro;
dentro ele faz-se, escorre,
e esse escorrer interno
não há nada que o corte.
Às vezes o “........”
por certo tempo o encobre:
não o tempo ele próprio,
sim o corpo que ele morde,
já que o expressar do tempo
é roer o que percorre.

MELO NETO, João Cabral. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p.84-85. 

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