Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 2 de março de 2012

Jaime Torres Bodet (em tradução de Manuel Bandeira)

DÉDALO

Enterrado, vivo
Em um infinito
Dédalo de espelhos
E me ouço, me sigo,
Me busco no liso
Muro do silêncio.

Porém não me encontro.

Olho, escuto, apalpo.
Por todos os ecos
O meu próprio acento
Está pretendendo
Chegar-me ao ouvido...

Porém não o advirto.

Alguém está preso
Aqui neste frio,
Lúcido recinto,
Dédalo de espelhos...
Alguém que eu imito.
Se parte, me afasto;
Se torna, regresso;
E se dorme, sonho...
― “És tu?” eu me digo.

Porém não respondo.

Cercado, ferido
Pelo mesmo acento
― Meu? Não sei dizê-lo ―
Contra o eco mesmo
Da mesma lembrança,
Eu nesta lembrança,
Eu neste infinito
Dédalo de espelhos
Enterrado vivo.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 20.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.362-363.

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