Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Vilém Flusser (em tradução de Dora Ferreira da Silva)

ORAÇÃO CORAÇÃO AÇÃO

Palavras-abelha, provo do vosso mel.
Em letras de ouro e terra
digo escrevo
oração
coração
ação.
A palavra parte (sem destino?)
levando pólen que emprestou-lhe a flor.
Voa com asas de oração; e outra, mais outra, enxames.
Operação tão limpa e delicada
abrindo celas oclusivas ―
alvéolos de transformação.
Que movimento é esse, que voo tão parado,
que decisiva ação?
Já não sou eu quem diz nem ouve e escreve
nem nossa é a dança alada
subindo o teto da manhã:
no alto vértice
o único a colhe
e dá sentido à ação.

Dora Ferreira da Silva. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p.318.

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