Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 20 de abril de 2010

"Desvio para o vermelho" - Cildo Meireles - Inhotim

De todas as obras que vi quando fui a Brumadinho, a mais difícil foi Desvio para o vermelho, de Cildo Meireles. A galeria Cildo Meireles, com três instalações do artista, faz parte do acervo permanente do museu, onde se encontra uma variedade muito grande de propostas estéticas, e o próprio lugar, com o paisagismo e os jardins de Burle Marx, esteticamente funciona como arte. Ao adentrar-se a instalação Desvio, percebe-se de imediato a saturação pela cor vermelha, nos três ambientes, em diferentes tonalidades. Segue um release fornecido pelo site: "Desvio para o Vermelho é um de seus trabalhos mais complexos e ambiciosos – concebido em 1967, montado em diferentes versões desde 1984 e exibido em Inhotim desde 2006. Formado por três ambientes articulados entre si, no primeiro deles (Impregnação) nos deparamos com uma exaustiva coleção monocromática de móveis, objetos e obras de arte em diferentes tons, reunidos 'de maneira plausível mas improvável' por alguma idiossincrasia doméstica. Nos ambientes seguintes, Entorno e Desvio, tem lugar o que o artista chama de explicações anedóticas para o mesmo fenômeno da primeira sala, em que a cor satura a matéria, se transformando em matéria. Aberta a uma série de simbolismos e metáforas, desde a violência do sangue até conotações ideológicas, o que interessa ao artista nesta obra é oferecer uma seqüência de impactos sensoriais e psicológicos ao espectador: uma série de falsas lógicas que nos devolvem sempre a um mesmo ponto de partida." Só me lembro que, sensorialmente, o espectador vai sendo impregnado pela cor, até saturar, e naturalmente as ressonâncias vão se produzindo. O terceiro ambiente, Desvio, é uma espécie de câmara escura que vai derivando do segundo, escurecendo aos poucos, e aí se começa a ouvir um barulho de algo pingando, e no final tem-se um lavatório branco onde uma torneira aberta deixa escoar um líquido vermelho. Claro que apenas entrevi isso, não cheguei a adentrar a câmara toda, meus amigos sim, chegaram bem perto. Havia também um espécie de líquido derramado pelo chão, no percurso até a pia. Segue uma análise que encontrei, feita por Tiago Macedo: Voltando à instalação 'Desvio’, deixando a primeira parte ‘Entorno’, vamos nos ater à segunda fase da instalação chamada ‘Impregnação’, na qual nos deparamos com um frasco caído no chão: uma estrutura vinílica sugere o derramamento de líquido superior ao valor de volume possível dentro do frasco, essa estrutura desemboca, depois de andarmos, numa penumbra em direção a uma pia que derrama água vermelha de sua torneira. O liquido vermelho que sai pela pia entra pelo vidro ou vice-versa. Seria esta a causa disso tudo? Podemos chegar a um raciocínio no qual o líquido vermelho derramado impregna o entorno da obra. Mas viria da pia ou do vidro? Cildo completa em entrevista que: 'você tem uma garrafa de onde sai uma quantidade enorme de líquido vermelho, que parece ser a explicação para a sala pintada de vermelho, mas o que ela introduz é a noção de horizonte perfeito que é a superfície de qualquer líquido sem movimento. E na terceira fase tem um líquido em movimento saindo de uma torneira. A pia está inclinada, o que contradiz a relação da queda d’água, mas o líquido é vermelho, o que nos conduz à primeira sala. (...) Enfim a idéia era criar uma circularidade onde uma coisa fosse jogando para outra, uma fase jogasse para outra, mas não explicasse nada.’” (link). Claro que não experenciei nada disso dessa forma, pela via intelectual, mas sim pelo sensorial mesmo, daí a fuga do terceiro ambiente, em que o contraste entre a penumbra e a cor vermelha termina por acentuá-la, até fazê-la insuportável, sem contar o isolamento de cada um desses elementos em relação ao conjunto saturado que se viu no primeiro ambiente.

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