Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 6 de novembro de 2010

futebol, alunos, bolinhas de papel...

Alunos me perguntam para que time eu torço. Eu, via de regra, desconverso: que que é isso? Para implicar, cito de vez em quando um clube carioca, qualquer um. Alvoroço geral, disputas. Mas não sou uma alienada futebolística, acompanho notícias, e em época de Copa do Mundo a avalanche geral acaba me levando para a frente do televisor. Mas sou pé frio, descobri isso no último mundial. Melhor continuar sem torcer, inclusive para a seleção, o que atualmente não requer qualquer esforço. E por falar em alunos, ontem foi, para todos o efeitos, o último dia de aula. Alguns meninos queriam de todo jeito saber quem era o meu aluno preferido:
― Professora, você me ama?
― Amo sim, claro!
― Então sou eu seu aluno preferido?
Impossível responder uma pergunta dessas sem ser, no mínimo, desonesta. Vou sentir saudades ― dos ditos graciosos, das brincadeiras, das carinhas fofas, dos sorrisos colgate (ano que vem volta tudo, com novos personagens...), da simpatia arduamente conquistada, das minhas ironias com eles, do chumbo trocado quando foi o caso. Porque tem dias que eu estou impossível. Meu Deus, quanta risada eu dei esse ano, na interação com esses alunos. Nem eu sei como a coisa acontecia, entremeada à aula, que também acontecia. Ontem, numa das turmas, a 603, eu fui verdadeiramente desastrada. Não sei mais por que cargas d’água eu recorri a um dito da infância: “Era uma vez uma vaca chamada Vitória...” Nisso sou interrompida por vozes e risos gerais. Uma das garotas chamava-se Vitória, mas eu me esqueci completamente disso. Ela me olhava espantada, entre surpresa e risonha, enquanto todos riam e falavam... No meio do bulício geral, fui ao quadro escrever o restinho, trocando Vitória por Chicória: “Caiu no buraco e acabou a história”. Não cair é um modo de prosseguir a história, na história... Ah, sim, era para explicar a diferença entre numeral, artigo indefinido e pronome indefinido. Creio que muita coisa ficou subentendida, indefinida. Voltando à turma 601, nos últimos 15 minutos de aula, eu tentando fechar o conteúdo, os meninos tomaram conta, jogando-se bolinhas de papel. Impossível explicar qualquer coisa. Por fim, capitulei: viva as bolinhas de papel! Algazarra geral, sem risco de isso ser tomado como pretexto para uma visita ao hospital. Afinal, bolinhas de papel, por aqui, tornaram-se páreo, em popularidade, às bolas de futebol. 

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