Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 6 de novembro de 2010

Os obedientes - Clarice Lispector (trecho)

“O modo súbito do ponto cair no i, essa maneira de caber inteiramente no que existia e de tudo ficar tão nitidamente aquilo mesmo ― era intolerável. [...] Deles alguns conhecidos disseram, depois que tudo sucedeu: eram boa gente. E nada mais havia a dizer, pois que o eram. Nada mais havia a dizer. Faltava-lhes o peso de um erro grave, que tantas vezes é o que abre por acaso uma porta. Alguma vez eles tinham levado muito a sério alguma coisa. Eles eram obedientes. Também não apenas por submissão: como num soneto, era obediência por amor à simetria. A simetria lhes era a arte possível.”

LISPECTOR, Clarice. Os obedientes. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p.85-86.

Nenhum comentário:

Postar um comentário