Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 21 de abril de 2011

Jorge de Lima: Invenção de Orfeu

[Canto III, Poemas Relativos, VII]

Alegria achareis neste meu poema
como poema ilícito, como um
corpo casual ou vão, como a memória
dura e acídula, como um homem se

conhece respirando, ou como quando
se entristece sem causa ou se doendo,
ou se lavando sempre ou comparando-se
às dimensões das coisas relativas;

ou como sente os membros de seu ser,
transmitidos e opacos, e os avós
responsabilizando-se presentes.

São alegrias rápidas. Lugares,
reencontráveis países, becos, passos
sob as chuvas que não vos molharão.

LIMA, Jorge de. Invenção de Orfeu. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d, p.73-74. 

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