Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 23 de agosto de 2011

a farsa dos transportes públicos no rio de janeiro

Hoje fui, de metrô, da Pavuna ao Leblon. Não era este o itinerário, mudado por força das circunstâncias. Tinha um médico marcado às 10h no Leblon, que me foi muito bem recomendado. Pensando a partir de Jacarepaguá, e ainda batendo cabeça quanto a esta estranha cidade, ocorreu-me que a forma mais rápida de chegar seria pegando o ônibus da integração até a estação de Del Castilho, onde pegaria a Linha 2, depois a Linha 1 em Botafogo e por fim a integração saindo de Ipanema. Chegando em Del Castilho, por volta das 8h, havia qualquer coisa de estranho: uma multidão de pessoas esperando o metrô, que já chegaria ali cheio. Impossível. Imediatamente fui para a outra plataforma pegar o carro voltando, na esperança de encontrar uma estação vazia e entrar de maneira confortável e segura no carro. Já dentro do veículo, enquanto se aguardava, como ouvi muitas vezes hoje, "a liberação do tráfego à frente", vi o carro em sentido contrário chegar lotado, abarrotado de pessoas, enquanto aquelas na estação tentavam, não sei como, entrar. À medida que ia voltando em direção à Pavuna o quadro ia se repetindo nas estações, cheias, pessoas arrumadas para trabalhar esperando o carro da Linha 2 em direção ao centro e à zona sul, que passava já lotado. Fui voltando. Então percebi, à medida que se aproximava a estação final, as pessoas fazendo o mesmo que eu tinha feito em Del Castilho, entrando e sentando. Uma moça me explicou: sofria de asma, era-lhe impossível entrar no carro superlotado. Preferia perder meia hora todo dia e pegar o carro voltando para garantir um lugar sentada. O resultado prático disso é que quando o metrô chega na estação terminal da Pavuna, pelo menos no horário da manhã, não há mais lugar para sentar. Perguntei se os seguranças iriam pedir as pessoas para descer. Não, não pediam, porque era muita gente para entrar, e as portas só abriam de um lado: não havia como fazer isso. Assim como não havia escolha: era seguir até a Pavuna ou entrar num carro lotado e viajar com muito desconforto. Perguntei se seria possível descer e tomar um ônibus: disseram que sim, mas que eu iria levar uma eternidade para chegar no meu destino (o que não deixa de ser um pensamento profundo). Imaginei como seria o retorno, o carro enchendo à medida que as estações avançassem de volta, e me assustei, inclusive pela falta de opção. Encheu, encheu bastante, mas não transbordou como vi pela manhã na altura de Del Castilho e enquanto via os carros passarem no sentido oposto à Pavuna. Algumas pessoas disseram que o metrô sempre foi assim, não muda, e contavam histórias, muitas: todo dia a mesma coisa. Por fim cheguei a Botafogo, após muitos atrasos e paradas, peguei o carro da Linha 1 que foi tartarugando até a estação de Ipanema, pois havia funcionários fazendo a manutenção dos trilhos. Na estação de Ipanema uma fila imensa aguardava os ônibus da integração. Cheguei atrasada, evidentemente, com a sensação de que há qualquer coisa de caos no modo como a vida se movimenta na cidade. Uma senhora com quem conversei disse tudo: há ônibus de integração espalhados pela cidade, mas todos levam para o mesmo lugar, os mesmos trilhos. Ao término da viagem, o condutor expede uma mensagem agradecendo a preferência e desejando a todos um excelente dia. Depois de sair do médico, pensei em muita coisa, no que ele disse, no que não disse, no que tinha ido fazer lá. Voltei para o metrô, havia outros compromissos. Difícil vai ser esquecer o que um pouco à revelia presenciei e vivi hoje. A maquiagem não convence, mas as pessoas, não se sabe bem por que, não encontram opção na escolha de seus representantes, assim como não encontram opção de transporte: é isso ou o caos, se isso não for o caos... Enquanto eu me sentia um pouco mais ridícula ao lembrar o que costumo falar em sala de aula, o alcance limitado de minha profissão. 

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