Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Rainer Maria Rilke: Livro de Horas

A cada um Deus fala, antes de criá-lo
e noite em fora vai com ele, em silêncio:
mas as palavras, ainda antes do início,
são palavras de nuvens.

Longe de teus sentidos
vou até à fímbria de tua saudade:
dá-me algo de vestir!

Atrás das coisas cresce uma espécie de incêndio
que de ti projeta sombras
cada vez mais, até que elas me cobrem todo.

Deixa que te aconteça tudo: a beleza e o medo.
É preciso ir em frente, sentimento nenhum é o derradeiro.
Não te deixes ficar longe de mim.
Bem perto está o país
a que dão o nome de vida.

Tu o reconhecerás pela seriedade dele.

Dá-me tua mão.

RILKE, Rainer Maria. Livro de horas. Trad. Geir Campos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993, p.76.

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