Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Dora Ferreira da Silva

ANO NOVO

Prepara-se o jardim.
Há um movimento do botão à flor
em câmara lenta.
O rosto pequeno das violetas
esconde seu perfume nas folhas
sussurrando segredos
                    salta o sabiá na aragem
e suplica à rosa de ontem
que não desfolhe seu rubor.

Promete a nova noite
a estrela que quisermos.
O CISNE ― constelação que amamos ―
cintila noutro céu.
                    Entre ar e folhagem
o pedido calado alcança
um pássaro estelar.

Dora Ferreira da Silva. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p.291.

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