Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 11 de dezembro de 2010

A descoberta do mundo: Clarice Lispector

Ocorreu-me uma ideia nem tanto bizarra. O livro de crônicas de Clarice Lispector, A descoberta do mundo, poderia ter sido um blog. A nota introdutória adverte: "Este livro reúne, em ordem cronológica, as contribuições de Clarice que apareceram aos sábados no Jornal do Brasil, de agosto de 1967 a dezembro de 1973. Julgamos que seria importante oferecer ao leitor esta visão geral, que de outra forma ficaria dispersa, destes textos que não se enquadram facilmente como crônicas, novelas, contos, pensamentos, anotações." O livro está organizado por anos e sábados, digo, datas. Por exemplo: 19 de agosto de 1967, sua estreia, uma coluna já toda em fragmentos, com pequenos trechos, como este, intitulado "A surpresa": 

"Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte. E a curva dos lábios manteve a inocência. Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como um objeto a ser olhado. A isto se chamaria talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo." (p.23)

Imagino Clarice Lispector falando de música (ela que amava tanto a música, como uma necessidade para a vida) e de repente postando um vídeo do youtube que traduzisse aquele seu momento. Ou então, tendo à sua disponibilidade a internet e seu relativo anonimato, e não apenas os sábados de um jornal então importante de circulação nacional, as liberdades maiores que se permitiria, ou mesmo uma maior frequência nos escritos. Ela tantas vezes admitiu estar escrevendo de madrugada enquanto os outros dormiam... Ninguém está impedido de imaginar nada, e então eu imaginei a Clarice Lispector des-cobrindo o mundo via internet. Para quem desejar descobrir o mundo de Clarice Lispector, segue a referência completa: A descoberta do mundo: crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. Nas melhores livrarias.

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