Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Um Homem Bom (Alemanha, Vicente Amorim, 2008)


Um homem bom (Good, no original), mais que mais um filme sobre o universo nazi, é o relato cruel da falência do humano. Aparentemente movido pelas melhores intenções, e não desconfiando a que fins poderiam estar servindo suas ações (seria ingenuidade?), o protagonista, misto de professor e intelectual, vai, aos poucos, sutilmente, envolvendo-se numa trama que não tem nada de bondade, movido, em princípio, pelo desejo de mudar de vida. "John Halder, aliás, é o grande mérito e o grande problema de Um homem bom. Mérito porque a atuação de Viggo Mortensen é muito boa. [...] Problema porque Halder não é um homem bom pelo que faz (ou deixa de fazer, no caso). O que o torna bom aos olhos do espectador é somente a atuação de Mortensen. Cada decisão que ele toma afeta a vida de todos à sua volta. A apatia dele é quase um disfarce. Halder não aguenta mais a vida em família e troca a esposa por uma loira novinha, a esposa ariana exemplar. Cuidar da mãe também é complicado, então ela volta a morar sozinha. E o nazismo? Hitler é uma piada rápida, vai passar. Que matança de judeus o quê? Então Halder entra para o partido nazista e é promovido na universidade. Seus filhos estão tão orgulhosos! Enquanto sua vida melhora, a dos outros colapsa. Quando seu grande amigo Maurice, um judeu, precisa de sua ajuda para fugir do país, Halder fica com medo de se encrencar e não faz nada. Não há necessidade de fugir! Está tudo tão bem. Logo Hitler cairá." (aqui). O comentário resume bem o perfil do protagonista: não há nada de especificamente bom nele, sua bondade é aquela comum, de todos os dias, que torna a vida tolerável. Ele é apenas um trabalhador de vida pacata que de repente percebe uma chance de melhorar suas condições de vida. Se em princípio nenhum de seus passos pode ser recriminado, pois o move esse desejo tão comum às pessoas, de ascensão social, por outro lado, ele, cegamente, vai galgando postos sem questionar muito onde isso o levará e quais as consequências de suas escolhas sobre os que estão à sua volta. Os piores regimes e totalitarismos se alimentam do humano mesmo, não são uma exceção a ele. Mete medo pensar nas consequências disso, a que se está servindo no fim das contas.

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