Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 11 de dezembro de 2010

Graciliano Ramos: trecho de entrevista concedida a Homero Senna

Casado duas vezes, Graciliano tem seis filhos e duas netas. Pergunto-lhe se costuma ajudar a mulher em casa, e ele se espanta:
Já faço muito em pagar as despesas... Aliás, tenho horror a compras. E quando ouço o telefone, tranco-me.
Aos domingos, o que costuma fazer?
― Em geral escrevo pela manhã e à tarde durmo.
O autor de Vidas secas não faz visitas, não vai a concertos nem a conferências e não gosta de música. Tem, entretanto, um velho hábito: vai diariamente à Livraria José Olympio, na Rua do Ouvidor, e fica lá várias horas, num banco que já é quase propriedade sua, localizado no fundo da loja.
― Muitas vezes vou lá dormir ― esclarece-me. ― Mas aparecem amigos, conhecidos, e toca-se a conversar.
Em virtude desse hábito, muita gente pensa que Graciliano dá a vida por um “papo”. Ele, porém, desfaz-me essa impressão:
― Quase sempre converso forçado, porque chegam pessoas. Mas na verdade muitos dias preferiria ficar quieto, sem trocar palavra. Também é fato que lá aparecem bons amigos, desses que a gente revê com prazer. De um modo geral, porém, sou uma vítima dos cacetes.

SENNA, Homero. República das letras: entrevistas com 20 grandes escritores brasileiros. 3.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p.208-209. [1944] Homero Senna informa em nota que o referido banco, por doação do editor da José Olympio, encontra-se hoje na Fundação Casa de Rui Barbosa, Centro de Literatura Brasileira, e é conhecido como “o banco do velho Graça”. 

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