Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 6 de maio de 2011

delicadeza

Nada, nem a coisa mais sublime que fizermos, o gesto mais desprendido e belo, vai revelar a nossa delicadeza ante o mundo se o mundo não a quiser. Ao contrário, mesmo as palavras e seu empenho acabam revelando a insuficiência. Por isso a poesia é tão importante, não para conter a aspereza alheia, mas para resistir-lhe, pois ela fatalmente virá, não importa quão delicados sejamos, queiramos ou tentemos ser. Há algo de inóspito nas relações, revelando cactos que se querem flores. Então, no meio da tarde, ouve-se um beijo estalar, e o mundo parece provisoriamente redimido. Porque entre o cacto e a flor há toda uma gradação de sentidos, como um holograma que ora revela um, ora outro. 

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