Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 21 de julho de 2011

Clarice Lispector: fios de seda

Enorme prazer em postar este texto de Clarice Lispector, "Fios de seda", verdadeira pérola de rara honestidade, dos que sabem que não há medo em arriscar-se pelas palavras, pois "as palavras não se podem evitar". É com fios muito delicados, de seda, que Clarice traduz, em duplo sentido, Henry James para seus leitores:

“Quase não li Henry James, que parece que é maravilhoso, segundo um amigo meu. Ele, Henry James, é hermético e claro. Citando Henry James estarei me tornando hermética para os meus leitores? Lamento muito. Eu tenho que dizer as coisas, e as coisas não são fáceis. Leiam e releiam a citação. Aí está ela, traduzida por mim do inglês:
“Que espécie de experiência é necessária, e onde ela começa e acaba? A experiência nunca é limitada e nunca é completa; é uma imensa sensibilidade, uma espécie de enorme teia de aranha, feita dos fios mais delicados de seda suspensos na câmara do consciente, e que apanha no seu tecido cada partícula trazida pelo ar. É a própria atmosfera da mente; e quando a mente é imaginativa ― muito mais quando se trata da de um homem de gênio ― ela apenha para si as mais leves sugestões, abriga os próprios pulsos do ar em revelações.”
Sem nem de longe ser de gênio, quantas revelações. Quantos pulsos apanhados no fino do ar. Os delicados fios suspensos na câmara do consciente. E no inconsciente a própria enorme aranha. Ah, a vida é maravilhosa com suas teias captantes.
Avisem-me se eu começar a me tornar eu mesma demais. É minha tendência. Mas sou objetiva também. Tanto que consigo tornar o subjetivo dos fios de aranha em palavras objetivas. Qualquer palavra, aliás, é objeto, é objetiva. Além do mais, fiquem certos, não é preciso ser inteligente: a aranha não é, e as palavras, as palavras não se podem evitar. Vocês estão entendendo? Nem precisam. Recebam apenas, como eu estou dando. Recebam-me com fios de seda.

Clarice Lispector. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.194.

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