Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 18 de julho de 2011

morelliana: Cortázar

"Por que escrevo isto? Não tenho ideias claras, sequer tenho ideias. Há trapos, impulsos, bloqueios. E tudo procura uma forma, então entra em jogo o ritmo e eu escrevo dentro desse ritmo, escrevo por ele, movido por ele e não pelo que chamam de pensamento e que faz a prosa, a literatura ou outra coisa. Há primeiro uma situação confusa, que mal se pode definir pela palavra; é dessa penumbra que eu parto e, se aquilo que quero (se aquilo que quer dizer-se) tiver força suficiente, o swing começa imediatamente, um oscilar rítmico que me traz para a superfície, que ilumina tudo, que conjuga esta matéria confusa e o que a castiga numa terceira instância, clara e como que fatal: a frase, o parágrafo, a página, o capítulo, o livro. Esse oscilar, esse swing no qual se vai informando a matéria confusa, é a única certeza, para mim, da sua própria necessidade, pois, tão logo cessa, compreendo que já nada mais tenho para dizer. É também a única recompensa do meu trabalho: sentir que aquilo que escrevi é como o dorso de um gato sob a carícia, com fagulhas e um arquear cadencioso. Assim, ao escrever, desço ao vulcão, aproximo-me das Mães, entro em contato com o Centro, seja o que for. Escrever é desenhar o meu mandala e, ao mesmo tempo, guardá-lo para mim, inventar a purificação, purificando-se; tarefa que compete a um pobre xamã branco com meias de náilon.


CORTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha. Trad. Fernando de Castro Ferro. 15 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p.461. ¿Por qué escribo esto? No tengo ideas claras, ni siquiera tengo ideas.

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