Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 14 de julho de 2011

Dylan Thomas: trabalhar a partir das palavras

Com o perdão antecipado dos puristas, mais um Dylan Thomas traduzido. Não resisto.

DIR-SE-Á QUE OS DEUSES

Dir-se-á que os deuses esmurram as nuvens
Quando o trovão as amaldiçoa?
Dir-se-á que choram quando urra a atmosfera?
Serão os arco-íris a cor de suas túnicas?

Quando chove, onde estão os deuses?
Dir-se-á que fazem brotar a água
Dos vasos do jardim, ou que desatam as torrentes?

Dir-se-á que, à maneira de Vênus, as tetas
De um velho deus são ordenhadas e mordidas,
Ou que a úmida noite me censura como alguma ama-de-leite?

Dir-se-á que os deuses são pedra.
Ecoará sobre a terra uma pedra que caiu,
Ressoará o seixo arremessado? Deixa que as pedras falem
Com as línguas que falam todas as línguas.

Dylan Thomas. Poemas reunidos. Trad. Ivan Junqueira. 2.ed. rev. Rio de Janeiro: José Olympio, p.105.

Na introdução que faz à coletânea, Ivan Junqueira transcreve o trecho de uma carta enviada por Dylan Thomas a Pamela Hansford Johnson: “Meus versos, todos os meus versos, são de uma intensidade de décima ordem. As palavras que expresso não são as que desejo expressar; são apenas palavras que consigo encontrar para chegar à metade do que estou dizendo. E isso não é bom. Sou um excêntrico usuário de palavras, não um poeta. Essa é a única verdade. Nada de piedade para comigo mesmo. Um excêntrico usuário de palavras, não um poeta. Isso é terrivelmente verdadeiro.” (p.24). À parte o excesso de rigor e certa performance, esta concepção revela a poesia como tradução. E é claro que Dylan Thomas era um poeta, não um usuário de palavras. Tanto que tinha elevada consciência de seu ofício. Alguém que sabia que pedras podem falar conhecia por dentro a linguagem:  “It shall be said that gods are stone. / Shall a dropped stone drum on the ground, / Flung gravel chime? Let the stones speak / With tongues that talk all tongues.”

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