Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 10 de julho de 2011

matéria estranha

A vida não cabe na linguagem. A vida, pressentida na inocência, era só silêncio e voragem. Todo o enigma de uma vida desdobrando-se em camadas sutis que sabem mais ao silêncio, e que ainda assim conhece a urgência da linguagem. Se os físicos foram buscar em Joyce o contorno para um dos abismos da matéria ― os quarks ― é porque abismar-se na matéria é fazer o mesmo na linguagem: a complexidade da matéria pede a complexidade que a linguagem logrou alcançar. Há rumores sobre a matéria estranha, diferente da usual, e que poderia absorver e transformar completamente esta ― como se fosse uma dimensão que não comportasse o mundo que, bem ou mal, o homem esforçou-se por esquadrinhar e lotear, embora cada tarde possa trazer a suspeita de que o homem não se habituou a existir. Mas agora há a matéria estranha. A matéria estranha não cabe no pensamento, não cabe em nada: ela é o grande nada, o fim de toda ilusão, o fim da beleza a que se deu o nome de poesia. 

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