Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 10 de julho de 2011

Mário Faustino

E SONHOU A MULHER QUE SE CUMPRIRA

E sonhou a mulher que se cumprira.
E sonhou que no ventre da guitarra
Silente uma semente se partira
Em pranto, riso e música, fanfarra
De dor e glória por delfim nascido.
E sonhou a mulher que, enfim florido
Seu trato de terreno roxo, aberto,
Dormia sem sonhar sobre o deserto
Passado que em futuro então se abria
Frutificando em palmas de alegria.
Na lira umbilical Orfeu tocava
Acalanto ilusório à que dormia
E entre as árvores de sonho balançava
A rede filial inda vazia.

FAUSTINO, Mário. O homem e sua hora e outros poemas. Org. Maria Eugenia Boaventura. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p.190. Na edição organizada por Benedito Nunes, em nota é informado que este poema também recebeu o título-dedicatória de Sonnet to a childless mother.

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