Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

a cosmologia me restitui um senso agudo de humildade

O QUE É UMA GALÁXIA
James E. Geach

TALVEZ a mais emocionante experiência que um cientista pode ter é o sentimento de uma grande mudança em sua perspectiva sobre o mundo. Para mim, aconteceu quando tive de reavaliar o que pensava sobre uma galáxia. Tradicionalmente, pensamos em galáxias luminosas como universos-ilha isolados e pontuais, como o filósofo Immanuel Kant propôs. Em alguns casos, isso é certamente verdade. Ocorre que as brilhantes ilhas galácticas são apenas os pontos visíveis de um oceano muito maior, mas ainda elusivo, de matéria bariônica. Esse material permeia o Universo, distribuído e moldado por uma vasta arquitetura escura subjacente, evoluindo continuamente pela ação da gravidade.
Todos aqueles bárions começaram no mesmo estado: um gás quente primordial que rapidamente formou os elementos fundamentais hidrogênio e hélio, além de pequenas quantidades de deutério e lítio. O que chamamos de galáxias se formou desse material bruto, empurrado para o interior de regiões com densidade mais elevada pela gravidade. Mas essas estruturas não são grupos fixos de bárions. O material se move entre elas como parte de um grande ciclo que tem estado em operação desde o Big Bang. A influência competitiva entre a gravidade e o processo de feedback faz o gás se resfriar sobre as galáxias e depois ser ejetado dela. Simulações recentes sugerem que até metade dos bárions presos nas galáxias no Universo local foram reciclados ao menos uma vez e, frequentemente, muitas vezes através do meio intergaláctico. Os bárions que constroem nosso corpo participaram desse ciclo por aproximadamente 14 bilhões de anos; a matéria em nossa unha poderia ter sido formada em estrelas de outras galáxias e, então, consumido bilhões de anos exilada no espaço intergaláctico antes de chegar ao Sistema Solar. Somo apenas uma fase efêmera, breves hospedeiros, para essa substância rara que dizemos ser “normal”.
Esse conceito de ciclo de bárions sustenta a visão emergente sobre a evolução das galáxias. O grande quadro que você deve ter em mente é de que a evolução galáctica é apenas um pequeno componente e uma evolução em larga escala do meio intergaláctico. O universo bariônico  é predominantemente gasoso, não galáctico. O meio intergaláctico é um campo de batalha para forças e, em meio a esse turbilhão, as galáxias se formam. Galáxias são apenas um estágio de processamento em um ciclo que desloca continuamente bárions de uma face à outra, e a cada instante a maioria dos bárions de uma fase à outra, e a cada instante a maioria dos bárions não está dentro das galáxias.
Concebemos as galáxias como nossa casa cósmica, um brilhante, vasto e complexo lar mergulhado na escuridão. De um ponto de vista antrópico, apenas tivemos sorte suficiente de existir em um tempo quando os bárions que compõem a Terra e tudo sobre ela tomaram a forma estável e fria. Esse não será sempre o caso. A morte do Sol em cerca de 5 bilhões de anos calcinará os planetas interiores, evaporará os exteriores e gradualmente dispersará os detritos resultantes de elementos pesados no meio interestelar. A menos que os humanos deem um jeito de enganar o ciclo desenvolvendo a capacidade técnica para escapar do confinamento do Sistema Solar, as cinzas de todo o material sobre a Terra estarão fadadas a retornar e enriquecer o Cosmos. E assim o ciclo continua.

“Galáxias Perdidas” (trecho), SCIAM Brasil, n.109, jun. 2011, p.61. 

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