Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

poesia fora de hora

Indo até a altíssima águia ou sondando as camadas profundamente tranquilas de um rio, a poesia parece querer colocar sob suspensão (e suspeição) as camadas imediatamente aderentes deste mundo. O que faz com que confiemos nela. Se o rio reflete as nuvens, ambos no entanto são feitos da mesma água, como quer Manuel Bandeira. Mas tão diferentes. De um extremo a outro que a poesia sonda, a matéria parece ser a mesma ― mas há uma mudança de substância. O que fazer com o dado imediato brutal do mundo, que a própria linguagem parece querer enxotar? Hoje pensei assim: o mundo de Kafka não admite a poesia  e espero não estar dizendo nenhuma heresia.

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