Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

da delicadeza dos poetas (acerca de Paulo Roberto Sodré)

Travei contato com Paulo Roberto Sodré quando trabalhei na UFES como professora substituta (a par do mestrado que se findava). Como eu era de fora (havia feito a graduação em outro lugar), aos poucos fiquei sabendo da fama. Diziam-me colegas e alunos: não, você perdeu, você não sabe o que é uma aula do Sodré. De fato, não tive esse prazer. Fiquei sabendo que ele era/é medievalista apaixonado. Mas um dia eu entendi por que os alunos falavam daquele modo. Houve um problema no departamento, eu me agastei e comecei a chorar. Ele estava perto, aliás era a única pessoa por perto, e imediatamente acolheu aquilo, e foi buscar um copo d'água (já perdi a conta das pessoas que gentilmente foram me buscar água sempre que). O curioso é o que se passou dias depois: encontrei com ele na sala dos professores e ele, surpreendentemente, veio se desculpar por ter me abraçado naquela situação, justificando que eu era uma pessoa reservada. Nunca, até então, me havia passado pela cabeça que alguém pudesse se desculpar por ter sido gentil. E é um pouco assim que a gente aprende a gostar de poesia. A fineza da percepção. De certa forma, eu é que estou em falta por não conhecer a obra dele. Falta de que em parte me eximo ao contornar o bloqueio da reserva e falar de um acontecimento que só lisonjeia as personagens envolvidas. Não tenho talento para dizer isso em versos. É uma pena. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário