Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 5 de novembro de 2011

Andréi Biéli: "Deposita-se a crosta / Dos mundos que nos portam"

A PALAVRA

Na febre do som
Do sopro
A treva é flama-fala.

Lá fugindo da laringe,
A terra exala.

Expiram
As palmas
Das palavras não-compostas.

Deposita-se a crosta
Dos mundos que nos portam.

Sobre o mundo formado
Paira a profundidade
Das palavras proferíveis.

Profundamente ora
A palavra das palavras, Sarça viva.

E do futuro
Paraíso
Alça-se a serra adunca

Por onde em chamas, consumido,
Não passarei: nunca.


Poesia russa moderna. Trad. Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman. São Paulo: Perspectiva, 2001, p.84.

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