Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Emily Dickinson

A Natureza dá o Sol a todos -
Isso - é Astronomia -
A Natureza falta a um Amigo -
Isso - é Astrologia.

Nature assigns the Sun -
That - is Astronomy -
Nature cannot enact a Friend -
That - is Astrology.

DICKINSON, Emily. A branca voz da solidão. Trad. José Lira. São Paulo: Iluminuras, 2011, p.212-213.

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P.S. José Lira considera o sinal gráfico que Emily Dickinson emprega separando as palavras não necessariamente travessão, mas antes “disjunções”: “Emily Dickinson criou um tipo de sinal gráfico até então inexistente em língua inglesa: a disjunção, um traço curto que alguns veem como simples hábito de escrita e outros como sintoma de distaxia (e que em geral é confundido com o travessão). A disjunção é, na verdade, um dos principais recursos estilísticos de sua escrita: destaca uma palavra ou expressão, marca pausas de leitura ou dicção, modifica o ritmo de alguns versos, separa segmentos frasais, expressa continuidade (ou descontinuidade) de uma ideia, explica algo que veio antes ou virá em seguida ― substitui, enfim, todo um conjunto de sinais usais de pontuação e dá a um poema de Emily Dickinson o aspecto próprio de um poema de Emily Dickinson ― abstraindo-se, é claro, o fato de que mais de um quinto dos manuscritos da autora não subsistiram e que as transcrições de terceiros ‘regularizaram’ a pontuação e outros aspectos gráficos e prosódicos de sua escrita.” (p.22) Em outro texto dedicado à poesia de Emily Dickinson, questiona: “se é que ela usava o travessão”. Já Augusto de Campos, também tradutor de Emily Dickinson,  emprega o travessão sem entrar em discussões textuais. Apenas assinala: “Emily criou um idioma poético próprio e antecipatório em termos de densidade léxica, economia de expressão e liberdade sintática. [...] Utiliza, muitas vezes em combinatórias novas, versos tradicionais, nos quais os seus estranhos tracejamentos gráficos introduzem recortes e pausas inusitados, dando-lhes feição singular.” (p.10). Em atenção a este recorte de José Lira, e que pressupõe um modo próprio de ler a poesia de Emily Dickinson, suas traduções aqui postadas respeitarão o traço curto, em vez do travessão, embora seja difícil controlá-lo no automatismo do editor de textos, que aliás oferece toda uma gama de sinais gráficos diferenciados.

DICKINSON, Emily. Alguns poemas. Trad. José Lira. São Paulo: Iluminuras, 2008.

DICKINSON, Emily. Não sou ninguém: poemas. Trad. Augusto de Campos. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2008.

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