Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Álvaro de Campos

Não sei se os astros mandam neste mundo,
Nem se as cartas ―
As de jogar ou as de Tarot ―
Podem revelar qualquer coisa.

Não sei se deitando dados
Se chega a qualquer conclusão.
Mas também não sei
Se vivendo como o comum dos homens
Se atinge qualquer coisa.

Sim, não sei
Se hei-de acreditar neste sol de todos os dias,
Cuja autenticidade ninguém me garante,
Ou se não será melhor, por melhor ou por mais cómodo,
Acreditar em qualquer outro sol ―
Que ilumine até de noite, ―
Qualquer profundidade luminosa das coisas
De que não percebo nada...

Por enquanto...
(Vamos devagar)
Por enquanto
Tenho o corrimão da escada absolutamente seguro,
Seguro com a mão ―
O corrimão que não me pertence
E apoiado ao qual ascendo...
Sim... Ascendo...
Ascendo até isto:
Não sei se os astros mandam neste mundo...

PESSOA, Fernando. Poesia completa de Álvaro de Campos. Ed. Teresa Rita Lopes. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007, p.484-485.

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