Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Sous le Sable (François Ozon, França, 2000)

Sob a Areia é um suspense focalizando os desdobramentos, sobre o psiquismo de uma mulher, do incógnito desaparecimento de seu marido numa praia, então acompanhado dela. A cena inicial, na praia, é muito límpida: o marido sai e não retorna. A cena final, também na praia, é um atordoamento. Os comentários sobre o filme, como este, inspirado no universo de Virgina Woolf, apostam na morte como motivo do desaparecimento e na questão da dificuldade de elaborar o luto por parte da mulher. Mas não há evidências definitivas de que ele tenha morrido afogado. É incrível o prestígio do mito do amor eterno e seu correlato civil, o casamento. O marido simplesmente pode ter se levantado e ido embora para nunca mais, e talvez essa desconfiança seja a fonte maior da confusão mental em que a mulher mergulha, pondo em dúvida a própria relação vivida até então. É uma hipótese a ser trilhada, em vez de simplesmente apostar no happily never after de um casamento bruscamente interrompido por uma morte por afogamento, com o inconveniente do corpo não ser encontrado. As cenas ambíguas que a mulher vive, após o desaparecimento, com o marido, sugerem que esse corpo pode não ter se tornado fantasmático de uma hora para outra.

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