Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 3 de abril de 2011

à deriva

No CCBB Rio, a Sala Contemporânea está com uma pequena exposição de Thiago Roca Pitta, cujo release inicial recebe o título de "À Deriva". Não entendi muita coisa da proposta pelo texto; apenas esbarrei, já para o final, com a cara (caríssima, eu diria) palavra delicadeza. Como uma situação de deriva poderia se combinar com a delicadeza é uma questão que agora me ocorre, enquanto escrevo isso. Ainda estava disponível para outro confronto estético (já havia passado por uma exposição complexa), e entrei, a sala bastante escura, com um vídeo, na parede oposta, em que alguma coisa brilhava. Me orientando pela luz que vinha da porta de entrada, adentrei o quanto pude, conferi a instalação mais próxima e sai logo. Não mergulhei na face escura da proposta. De volta à claridade, considerei muito tosca minha tentativa, e resolvi voltar. Fui adentrando novamente a escuridão. "Vocês podem chegar mais perto", disse uma voz. "Quem falou isso?", perguntei, pois que não enxergava quase nada. "Eu", respondeu o dono da voz. "Isso eu sei, que é 'eu', quero saber quem é". Era um funcionário do CCBB, conforme se apresentou e entrevi. Aí ele advertiu: "É preciso chegar mais perto da tela (e do vídeo) para interagir com o naufrágio". "Tem um náufrago aí?", perguntei. "Tem, e ele filmando." Aproximei-me do vídeo, e era alguém filmando em mar aberto, ainda claro, como se estivesse à deriva no mar.


À medida que o olhar à deriva se aproximava de um estranho objeto luminoso, ia escurecendo, até sumir tudo. Esta é a proposta da vídeo instalação "O Cúmplice Secreto". O funcionário me diz: "Nem sempre é fácil entrar na cabeça desses artistas." Fiz um assentimento qualquer, e continuei olhando o vídeo, não sabendo bem como discernir, na proposta, deriva de naufrágio, e tentando entrever a delicadeza. Foi outra coisa que senti, e comentei: "É angustiante". Recebi então a confirmação de que as pessoas, eu incluída, ouvem o que querem ouvir: "É relaxante sim, tem gente que senta aí diante do vídeo e fica meia hora." Saí da sala sem entender muito da proposta. Mas sei muito bem que a vida pode ficar à deriva. Talvez isso seja bom. 

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