Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Dylan Thomas

CUIDEI DISTANCIAR-ME

Cuidei distanciar-me
Do silvo da mentira desgastada
E do incessante grito dos antigos terrores
Que crescem mais terríveis quando o dia
Tangencia a colina e adentra o mar profundo;
Cuidei distanciar-me
Das mesmas e enfadonhas saudações
Porque há fantasmas no ar
E ecos fantasmagóricos no papel
E um ribombo de apelos e de notas.

Cuidei distanciar-me, mas tenho medo;
Alguma vida, ainda louçã, poderia explodir
Da velha mentira que arde sobre o solo
E, crepitando no ar, deixar-me quase cego.
Nem pelo medo antigo da noite,
O chapéu que se separa dos cabelos
Ou os lábios crispados junto ao fone
Me farão cair ante a pluma da morte.
Não gostaria de morrer por nenhum deles,
Metade convenção, metade hipocrisia.


Dylan Thomas. Poemas reunidos. Trad. Ivan Junqueira. 2.ed. rev. Rio de Janeiro: José Olympio, p.118-119. 

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