Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 24 de outubro de 2010

Ribeiro Couto: pérola do humor modernista

A canção de Manuel Bandeira

Já fui sacudido, forte,
De bom aspecto, sadio,
Como os rapazes do esporte.
Hoje sou lívido e esguio.
Quem me vê pensa na morte.

O meu mal é um mal antigo.
Aos dezoito anos de idade
Começou a andar comigo.
E esta sensibilidade
Põe minha vida em perigo!

Já sofri a dor secreta
De não ser ágil e vivo.
Mas, enfim, eu sou poeta.
Tenho nervos de emotivo
E não músculos de atleta.

As truculências da luta!
Para estas mãos não existe
O encanto da força bruta.
... Nada como um verso triste
― Verso, lágrima impoluta...

(O bem que há num verso triste!)

Poemetos de ternura e melancolia (1924).

Roteiro da poesia brasileira: Pré-modernismo. Seleção Alexei Bueno. São Paulo: Global, 2007, p.171.

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