Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 9 de janeiro de 2011

Gottfried Benn: "As palavras marcam mais profundamente que seu próprio conteúdo"

"A palavra é o centro criador do espírito, centro no qual enterra suas raízes e, direi ainda mais, as enterra no espírito da própria nação: quadros, estátuas, sonatas, sinfonias são internacionais: a poesia, nunca. Podemos definir a poesia como o intraduzível. A consciência prolifera nas palavras; a consciência transcende as palavras. 'Esquecer': que significam essas letras? Nada, nada que se possa compreender. Mas a consciência ressoa nessas letras, através delas se dirige a um determinado destino: e essas letras, colocadas uma ao lado da outra, ressoam acústica e emotivamente dentro de nós. É por isto que oublier não é jamais esquecer. Nem never more com suas duas sílabas iniciais graves e fechadas seguidas do taciturno e fluente more (no qual ressoa para nós 'das Moor' e para os franceses 'la Mort') é nimmermehr (jamais), 'never more' é mais belo. As palavras marcam mais profundamente que seu próprio conteúdo. Por um lado são espírito, por outro possuem a essencialidade das coisas da natureza."

BENN, Gottfried. Problemas da lírica. Trad. Fábio Weitraub. Rio de Janeiro, Cadernos Rioarte, Ano I, n.3, 1985, p.8. 

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