Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 11 de janeiro de 2011

paixão, acasos, literatura e Sérgio Buarque de Holanda

Sou absolutamente apaixonada pelo que estudo, pelos livros que estou lendo, pelas músicas que ouço, pelos filmes que elegi. No caso do doutorado, eu me vi tomada pelo tema, por Sérgio Buarque de Holanda, pela possibilidade de conhecer um pouco da crítica literária brasileira, e um pouco de crítica literária também. Pensei então, na confusão das intuições, titubeios e incertezas, que uma boa forma de doutorar-me em letras seria instrumentalizando-me para a profissão futura, e um bom caminho seria estudar crítica literária. Isso era uma intuição já no mestrado. Mas não a segui, continuei na trilha aberta pela dissertação, e iria estudar Sagarana pelo viés do cômico, fazendo-a dialogar com Raízes do Brasil e a noção de cordialidade, pelo que ela comporta de negação do trágico (é conhecido de todos que leram Raízes do Brasil a moldura com que Sérgio Buarque abre o capítulo "O homem cordial", o conflito entre Antígona e Creonte). Descobri, no percurso bastante confuso, mas feliz, do primeiro ano de doutorado, que a empreitada era mais difícil do que eu supunha (sem contar que eu estava bem desassistida no quesito "orientação"). Fui descobrindo, misturado a isso, Sérgio Buarque de Holanda e seus escritos de crítica literária, e fiz uma constatação curiosa: Sérgio Buarque não tinha escrito uma linha sequer sobre Guimarães Rosa, até onde pude averiguar (só recentemente, numa entrevista, descobri uma menção rápida, a Grande sertão: veredas). Meu projeto, já difícil, se tornou de repente inviável. Então, após uma palestra na UFMG, com um professor da USP que tinha sido meu quase-orientador no mestrado da UFES (e por pouco eu não fui parar na USP, atrás dele, pois esse professor tinha sido também uma paixão intelectual), numa conversa na mesa de bar num café da Travessa (situada na chique Savassi que eu pouco frequentava), caindo uma chuva torrencial, meu doutorado se decidiu. Eu tencionava falar do projeto, mas falava com tal entusiasmo de Sérgio Buarque, que esse professor virou para mim e disse: Mariana, esse é o seu projeto de doutorado, estudar o Sérgio Buarque de Holanda como "homem de letras". Atarantada com a revelação vindo assim tão inesperada, era como se já soubesse aquilo. Isso se deu em outubro de 2006. Fiquei mais um pouco no bar, falando bobagens e vendo se a chuva passava. Não passava. Despedi-me e, debaixo da mesma chuva torrencial, no primeiro telefone público que encontrei, liguei para um amigo (num tempo em que fazia isso mais amiúde), dizendo que meu projeto havia acabado de mudar. Daí, eu só tinha um problema: orientação, em sentido amplo. Orientação que aliás nunca me faltou, apesar das aparentes e conspícuas confusões de superfície. Perder o rumo é uma forma de encontrá-lo. Já que ia mudar, que a mudança fosse para valer. Já tinha experiência em vários tipos de mudança ― de estado (ES, MG), de cidade, de profissão, de emprego, de ares, de casa, de bairro, de orientador (na própria UFES circunstâncias um pouco alheias a mim impuseram isso), da cor do cabelo, afora outras mais profundas e definitivas ― que encarei aquilo como mais uma mudança, e para melhor. As coisas foram andando, no seu ritmo. No dia 04 de janeiro de 2007, já de volta ao campus da UFMG para participar da banca de correção do vestibular, a convite do meu atual orientador (com quem tinha feito uma disciplina no segundo semestre de 2006), encontrei-me casualmente com ele na cantina, e externei-lhe o problema, perguntando se ele não poderia me indicar alguém. De repente, me veio a intuição, rápida e certeira: Você não quer pegar o projeto?  E "estamos aí", depois de muitos atropelos, de defesa marcada. A tese é que teima em não terminar. E o Sérgio, para minha alegria ficar mais completa, é o pai do Chico.

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