Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 13 de junho de 2011

escrita

Escrevo a um amigo: estou sonhando intensamente coisas difíceis. Uma outra vida se inaugura quando fecho, temporariamente, os olhos para esta, uma vida cuja intensidade até então desconhecia. Onde eu andava não sei. A cada noite um novo capítulo de uma novela desconexa, mas com feixes de contiguidade (ai, a psicanálise!) com o sonho anterior. O caos de uma noite retoma o da noite passada, e quando acordo tenho a sensação de que fui bombardeada por imagens cuja compreensão e discernimento são sempre precários. Durante o dia componho um rosto ordenado, uma expressão calma. Ao contrário do que vivi até então, começo a ansiar, sem pressa ou susto, pela noite, porque sei que alguma coisa muito importante, uma transformação de monta, está se passando. Entrevejo nisso tudo a leitura do Paulo Mendes Campos. Uma leveza a cada manhã, a noite consistindo em purgar fantasmas que talvez não sejam de todo mal. A minha força só pode estar em mim, e foi a partir de uma necessidade muito intensa de visitar essas regiões inexploradas, que a experiência de Paulo Mendes Campos descortina, que comecei a sonhar de outra forma, não de imediato, mas como camadas que foram descortinando novas possibilidades. Então este trecho em particular me fascinou pelo desejo que se apoderou de mim, o desejo de acessar a delicadeza:


“Essa delicadeza não apresentava a mais leve analogia com sensações por mim conhecidas. Como se dentro da delicadeza houvesse uma segunda delicadeza, e dentro desta uma terceira, uma quarta, uma quinta, e só lá no fundo de não sei qual película sutil estivesse, intacta, a verdadeira delicadeza. Mas esse imprevisível tesouro não implicava a menor nuança de medo: estava inocente por demais para que o mal e a violência me atingissem. Meus próprios erros e brutalidades não me tocavam. Só não me agradava a possibilidade de ser reconduzido para trás, ao meu estado habitual, ao universo convencional dos conceitos, das palavras, dos apetites e das ansiedades. Como que justificando a sutileza de minha relação íntima com os outros, escrevi sempre inseguro das palavras: ‘Eu me afasto, mas não é solidão.’ Não estava sozinho naquela hora; os outros talvez estivessem.” [AQUI]

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