A primeira aparição dos presentes devaneios [...] tomou como
imagem central e deflagradora de uma possível reflexão a respeito da condição
humana a metáfora do naufrágio. A sugestão decorreu da leitura de
um extraordinário ensaio de Hans Blumenberg [...], para quem os humanos
apresentam a totalidade de seu estado no mundo, de preferência no
imaginário da vida marítima. “O homem conduz a sua vida e ergue as
suas instituições sobre terra firme. Todavia, procura compreender o curso de
sua existência na sua totalidade, de preferência, com a metáfora da navegação
temerária.” Uma das possibilidades desse jogo metafórico é a da
expressão igualmente metafórica de uma ordem que se lhe opõe. O próprio
Blumenberg indica-lhe o sentido: a metáfora do naufrágio ― na
verdade ― é uma das possibilidades da metáfora maior da navegação como forma de
denominar a própria existência: o naufrágio, nesse campo de
representação, é algo como a consequência legítima da navegação. A presença
do duplo metafórico materializado no par navegação-naufrágio, no
pensamento ocidental, parece ser imemorial.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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