Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Rubem Braga: "poesia"

POESIA ― Era um poeminha antigo de João Alphonsus:

O diabo é que a vida
Nem sempre, porém...
Toada da onda
Que vai e que vem
Da onda daonde?
Até nem sei bem...
Ora bolas! Da onda
Que vai e que vem.

O rapaz leu e achou engraçado: “como é que um sujeito pode fazer um poema sem dizer nada, mas nada mesmo?”
Eu fiquei calado.
Ficava difícil explicar que o poeta dissera muita coisa, que a vida é assim mesmo, que a vida tem essa toada da onda... Da onda daonde?

BRAGA, Rubem. Recado de primavera. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008, p.50.

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