Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 11 de março de 2011

o espírito e a letra

Como num comentário recente refiro um artigo de Sérgio Buarque intitulado "O espírito e a letra", a propósito de uma tradução de Thomas Mann no Brasil, vem-me à lembrança um conto de Guimarães Rosa que seria uma tradução/recriação de A montanha mágica. Trata-se de "Nada e a nossa condição", constante das Primeiras estórias. Já ouvi sobre este conto a anedota de que teria sido feito de encomenda por setores progressistas interessados em discutir a questão da distribuição de terras no Brasil. Desnecessário dizer que guardei apenas na memória o registro da anedota. Um professor me disse a respeito: pediram ao cara errado. O que me fez suspeitar da presença de A montanha mágica em "Nada e a nossa condição"? A atmosfera do conto, o espaço, a onomástica, o próprio título estranho do conto, seu desfecho em fogo, em nada. O que dizer de um protagonista chamado Tio Man'Antônio? "Na minha família, em minha terra, ninguém conheceu uma vez um homem, de mais excelência que presença, que podia ter sido o velho rei ou o príncipe mais moço, nas futuras estórias de fadas. Era fazendeiro e chamava-se Tio Man'Antônio. Sua fazenda, cuja sede distava de qualquer outra talvez mesmo dez léguas, dobrava-se na montanha, em muito erguido ponto e de onde o ar num máximo raio se afinava translúcido". Guimarães Rosa parece entrever que no nome Thomas Mann está latente a palavra montanha, e faz ambas confluir em Tio Man'Antônio (quase tio da montanha), o que fica mais claro no último enunciado: "Man'Antônio, meu Tio". [Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p.73-82]

Mas faz bastante tempo que li o conto, de forma que isso é apenas uma impressão superficial. Guimarães Rosa conhecia bem o idioma alemão, o mesmo se passando com Sérgio Buarque, que entrevistou Thomas Mann quando morou em Berlim, em 1929, às vésperas de Thomas Mann ser laureado com o Nobel, confirmando, mediante depoimento do próprio romancista, a mãe de origem brasileira. [HOLANDA, Sérgio Buarque de. Thomas Mann e o Brasil. Raízes de Sérgio Buarque de Holanda. Org. Francisco de Assis Barbosa. Rio de Janeiro: Rocco, 1989, p.199-204. Entrevista concedida em 18 de dezembro de 1929] 

Um comentário:

  1. Mariana. Prazer em conhecê-la. Sabe que estou escrevendo um artigo sobre esse conto do Rosa, levando em consideração uma possível interpretação que ele fez de A Montanha mágica. E foi justamente o nome do protagonista que me levou a isso. Legal saber que você viu o mesmo.

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