Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 30 de junho de 2011

Torquato Neto: as palavras estão no mundo como está o mundo

MARCHA À REVISÃO (trecho)

Quando eu a recito ou quando eu a escrevo, uma palavra ― um mundo poluído ― explode comigo & logo os estilhaços desse corpo arrebentado, retalhado em lascas de corte & fogo & morte (como napalm), espalham imprevisíveis significados ao redor de mim: informação. Informação: há palavras que estão no dicionário & outras que eu posso inverter, inventar. Todas elas juntas & à minha disposição, aparentemente limpas, estão imundas & transformaram-se, tanto tempo, num amontoado de ciladas. Uma palavra é mais que uma palavra, além de uma cilada. Elas estão no mundo como está o mundo & portanto as palavras explodem, bombardeadas. Agora não se fala nada, um som é um gesto, cuidado. Vida Toda Linguagem, cf. Mário Faustino que era daqui e um dos maiores & quem quiser consulte. No princípio era o Verbo, existimos a partir da Linguagem, saca? Linguagem em crise igual a cultura e /ou civilização em crise ― e não reflexo da derrocada. O apocalipse, aqui, será apenas uma espécie de caos no interior tenebroso da semântica. Salve-se quem puder.

NETO, Torquato. Torquatália {do lado de dentro}. Org. Paulo Roberto Pires. Rio de Janeiro: Rocco, 2004, p.311.

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