MARCHA À REVISÃO (trecho)
Quando eu a recito ou quando eu a escrevo, uma palavra ― um mundo poluído ― explode comigo & logo os estilhaços desse corpo arrebentado, retalhado em lascas de corte & fogo & morte (como napalm), espalham imprevisíveis significados ao redor de mim: informação. Informação: há palavras que estão no dicionário & outras que eu posso inverter, inventar. Todas elas juntas & à minha disposição, aparentemente limpas, estão imundas & transformaram-se, tanto tempo, num amontoado de ciladas. Uma palavra é mais que uma palavra, além de uma cilada. Elas estão no mundo como está o mundo & portanto as palavras explodem, bombardeadas. Agora não se fala nada, um som é um gesto, cuidado. Vida Toda Linguagem, cf. Mário Faustino que era daqui e um dos maiores & quem quiser consulte. No princípio era o Verbo, existimos a partir da Linguagem, saca? Linguagem em crise igual a cultura e /ou civilização em crise ― e não reflexo da derrocada. O apocalipse, aqui, será apenas uma espécie de caos no interior tenebroso da semântica. Salve-se quem puder.
NETO, Torquato. Torquatália {do lado de dentro}. Org. Paulo Roberto Pires. Rio de Janeiro: Rocco, 2004, p.311.
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