Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 26 de junho de 2011

o nome da rosa

posts, poucos, que levam como marcador “o nome da rosa”, e é claro que, até onde pretendo, não tem a ver com o livro de Umberto Eco, mas com outra coisa, uma conversa com um amigo numa madrugada fria, em que falávamos de coisas importantes para ambos, segredos, certamente meu segredo mais segredo (ou secreto) que o dele. Porque poder contar um segredo é confiar, e eu queria confiar. Por mais que um segredo seja segredo, é preciso poder escolher revelá-lo, mesmo que seja para poucos, mesmo que seja algo inofensivo. Ninguém escolhe ter segredos, eu não sabia que um dia viria a tê-los. Aquele dia, aquele amigo, eu queria. E foi então que ele me disse uma coisa muito bonita: “Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume.” (William Shakespeare). O que chamamos rosa, sob uma outra designação, teria igual perfume? Então toda vez que escuto alguém dizendo que me conhece e tal, que sabe de mim, que me tem decifrada, eu muito comigo me rio, dizendo, silenciosamente, que sou eu quem escolhe quem pode me conhecer. Tanto é que estou aqui, neste espaço, escrevendo (às vezes escrevendo sem conseguir parar), porque a vida é texto, testamento, e um dia eu irei de vez, então que pelo menos fique (se existir algo para ficar, é bom lembrar) a caligrafia rápida destas palavras, pórtico partido para o Impossível. E me ocorre o seguinte, pensando em tanta coisa lida e relida, que há segredos em nós dos quais sequer suspeitamos, há camadas de segredos, temos acesso apenas aos mais visíveis, que se revelam a nós e escolhemos eventualmente revelar, mas há muitos outros de que dificilmente vamos tomar conhecimento. Quem sou eu? No fundo do fundo do fundo de mim, o que encontraria se me fosse dado acesso à resposta, ou respostas, desta pergunta? Dizer “tenho segredos” soa, assim, redundante, pois a própria linguagem está enganando quem pensa ter poder sobre ela, falando com todas as letras as palavras que quer pronunciar ― ou escrever. 

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